Não é mais possível estabelecer regras rígidas a respeito do que é um texto bom ou ruim. No passado, vigoravam critérios que hoje não fazem mais sentido: provavelmente na época de Stendhal um romance de Alejandro Zambra nem pareceria um romance, mas hoje o podemos ler assim e admirá-lo pelo que ele é.
Não apenas os critérios mudam com o tempo, como a pós-modernidade faz com que muitos critérios sejam válidos simultaneamente. Narrativa linear de caráter histórico? Pode ser bom. Narrativa fragmentada pós-apocalíptica? Pode ser bom. Narrativa elíptica protagonizada por objetos inanimados? Também pode dar certo.
Então como se avalia um texto?
Se a gente adotasse uma escala do ruim ao bom, estaríamos levando para o mundo da arte algo que só funciona em contextos mais objetivos. Um motor pode ser melhor que outro, um parafuso também, mas é difícil dizer que um livro é melhor que outro. Claro que, ainda assim, eu mesma com frequência me vejo dizendo coisas como “nossa, o segundo livro da fulana tá ainda melhor que o primeiro”.
Eu implico com a palavra melhor, mas também reconheço que há livros mais bem desenvolvidos que outros, então o que isso quer dizer?
A ideia de melhor está sempre pautada por tendências do momento e pelo contexto cultural dentro do qual se avalia a qualidade. Posso tentar me ater a uma avaliação de recursos técnicos, de domínio narrativo e de tratamento de estilo. Mas mesmo esses critérios supostamente rígidos não conseguem ser plenamente objetivos. A minha avaliação vai ser diferente da dos meus colegas acadêmicos, que vai ser diferente da dos acadêmicos colombianos ou chineses ou das avaliações do ano de 2047.
Avaliações técnicas existem, é evidente, e eu como doutora em Escrita Criativa estou num campo acadêmico que pretende justamente estudar, analisar e desenvolver as possibilidades da linguagem.
Dito isso, tenho algumas opiniões impopulares sobre qualidade literária: mesmo que critérios técnicos fossem objetivos, eles jamais seriam suficientes. Um conto pode ser tecnicamente impecável, mas absolutamente insosso. Um autor pode desfilar todo seu domínio narrativo ao escrever uma história que não envolve ninguém.
E aí entramos no campo da subjetividade. Não existe régua para o grau de envolvimento que o leitor vai ter com a história, para a possibilidade de identificação com os personagens, para os efeitos emocionais sobre quem lê.
É preciso abandonar a ideia de bom e ruim e começar a pensar em termos de amadurecimento. Cada escritora e escritor, ao longo dos anos de prática, adquire as técnicas e as ferramentas que ajudam a buscar, dentro de cada texto, a melhor versão possível naquele momento. Esse é o único melhor que eu busco.
E vocês? Como avaliam os livros de outras pessoas e como olham para o próprio trabalho?
Oi.
Fiquei pensando aqui… egocentrismos a parte, avaliar um livro, ou qualquer coisa manifestada de forma escrita, tem uma complexidade comparável a da interpretação de um “bah” (escrito no whatsapp) do nosso dialeto local. A sensibilidade é o fator preponderante (para mim) a despeito das verdades técnicas ou mercantis. Muito boa reflexão no teu texto.
Adorei a comparação, Marcelo!
Gostei muito de sua reflexão. Ainda que o trabalho da crítica literária seja a de mensurar uma obra a partir de critérios técnicos (os quais não domino, aliás), o que me faz julgar se uma obra é melhor ou menos melhor que outra está mais ligado a minha expectativa leitora, a uma experiência sensorial. Talvez nem saiba como dizer. O fato é que seu texto me fez pensar e, acima de tudo, é desapegado de pré-conceitos que ditam o que é ou não bom, o que deve ou não ser lido, ainda nos dias atuais, quando sabemos que cada leitor é um mundo, portanto, para quem escreve, são diversos os mundos possíveis!
Obrigada, Ilze! Realmente, são diversos os mundos possíveis. Não só cada obra, mas cada pessoa que lê traz dentro de si todo um universo.