Organização por cartões

bulletin board, laptop, computer

Cada escritora tem um processo único de organização. Enquanto algumas são apaixonadas por planilhas, outras apostam em esquemas e algumas, como eu, gostam de cartões. A técnica de cartões é bastante utilizada nas salas de roteiros de cinema, mas pode funcionar perfeitamente para a literatura.

Neste post, vou comentar um pouco do processo criativo do meu segundo romance (a ser publicado daqui a alguns meses pela DBA). A princípio, tudo foi um pouco caótico, mas os padrões e a lógica interna do processo apareceram com mais clareza quando olhei para trás e analisei os rastros que eu tinha deixado.

Como o livro é constituído de numerosos breves capítulos, o encadeamento das cenas foi uma preocupação fundamental na arquitetura do romance. Eu temia que o texto ficasse sem coesão, então busquei uma forma de trabalhar a fragmentação mantendo uma experiência de leitura bem organizada.

Outro fator que me atrapalhava é que o processo de escrita não se deu em ordem cronológica: quer dizer, eu podia escrever hoje uma cena do terceiro ato e amanhã escrever uma das cenas iniciais do enredo. Mas me ajudava o fato de que a história tinha começo, meio e fim, e essa linha do tempo estava sempre muito clara na minha cabeça.

Se olho agora para a sequência de fotos do painel de cenas que construí colado à minha parede, percebo movimentos de criação que não tinham sido planejados, mas que foram sem dúvida resultado dessa clareza da trama.

Depois de terminada a escrita, vi como a narrativa foi inchando de maneira mais ou menos uniforme, pois os cartões das extremidades das linhas horizontais se mantiveram (à exceção de um) no mesmo lugar. Muitos dos pontos-chave da história já estavam no seu lugar desde o início, tendo se deslocado poucas posições para os lados. Alguns poucos cartões foram removidos, deixando alguns espaços em branco. Ou seja, mesmo sem eu ter percebido, já tinha pronta a “planta baixa” dos pilares da narrativa. As maiores mudanças ocorreram na última linha, na qual foram alterados os acontecimentos do fim da história.

Claro que esse sistema de cartões não é invenção minha nem é novidade. Vladimir Nabokov foi um notório metódico, conhecido por organizar todos seus romances em pequenos cartões antes de escrever a primeira linha. Segundo a Paris Review, Nabokov diz que “o padrão da coisa precede a coisa. Eu preencho as lacunas das palavras cruzadas em qualquer ponto de minha escolha. Esses pedaços eu escrevo em cartões até que o romance esteja pronto”. Não tive tanto planejamento, como se vê pela transformação dos cartões, mas eu sabia onde queria chegar antes de colocar qualquer ideia no papel.

Como é para vocês? Já tentaram os cartões? Cadernos? Linhas do tempo? Caos absoluto?

6 thoughts on “Organização por cartões”

  1. Ilza Carla Reis

    Estou adorando as dicas. Ainda me dedico mais à poesia,mas já me vêm umas ideias para prosa, porém, sem saber ainda como começar. No geral, vou anotando as ideias num caderno, mas a troca de experiências com quem já escreve a mais tempo faz toda diferença!

    Gratidão!

    1. Escrever à mão é ótimo! Ajuda a manter o foco e a dar certa materialidade ao trabalho. Um dia todos esses teus cadernos vão fazer sentido 🙂

  2. ORLANDO CARNEIRO DE MATOS

    Li algumas literarias de vocês e gostei. Por isso, estou me inscrevendo. Espero ser atendido. Prometeu fazer bom uso do material. Se o citar, indicarei a fonte.

  3. maria rosa fontebasso

    Embora eu não pretenda escrever um romance, mas um conjunto de contos articulados, nos quais os personagens podem ser repetidos, e cujas histórias estão imbricadas, esta organização por cartões vai me ajudar, porque já senti falta de planejamento.

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