Sou assinante de uma boa quantidade de newsletters de escritores e escritoras, de todos os tipos. Gente já publicada e famosa, gente ainda trabalhando no seu primeiro livro e até alguns que veem a newsletter como um fim em si. O que me chamou atenção nos últimos meses foi a quantidade de textos falando sobre a dificuldade em criar. Muita gente está travada.
Bem, eu estou travada. Fora alguns poucos textos aqui e ali, frutos de exercícios em oficinas, sinto uma ressaca muito grande desse período pelo qual estamos passando sem sequer ele ter acabado ainda. Este texto é quase um desabafo-autoajuda-faça-o-que-eu-digo-não-faça-o-que-eu-faço, mas vamos lá.
No início de tudo, lá em março de 2020, quando a gente ainda tinha a ilusão de que a quarentena seria de duas semanas, talvez um mês, no máximo quarenta dias, eu estava no meio das minhas férias e pensei: vou aproveitar, vou escrever, vou vencer aquela novela que já apaguei e recomecei duas vezes, vou colocar um ponto final nela.
E foi o que fiz, escrevi 80% do que tenho até agora nesse período inicial. Mas, conforme o tempo foi passando, as mortes aumentando, o governo desgovernando, enfim, cada dia a mais de quarentena se transformou num tijolo em cima do meu cérebro, ou do teclado. Aos poucos, arrancar uma frase que seja virou um esforço físico e emocional que, convenhamos, não valia a pena acrescentar ao show de horrores diário.
E o que fazer nesse caso?
Cada pessoa com quem converso tem um conselho diferente:
- Simplesmente baixar a cabeça e escrever
- Marcar um horário na agenda
- Estipular um prazo
- Criar um planejamento
- Não se forçar a nada e deixar fluir como der
- Escrever outras coisas
- Se propor desafios literários
- Fazer oficinas
Enfim, a lista de conselhos varia. Assim como varia a forma como cada um se põe de pé diante da própria paralisação.
Acho que o que quero dizer com esse texto é que não estou sozinha, nem você. E proponho uma criação coletiva de alternativas para o destravamento. Espero que a minha experiência talvez auxilie alguém a destravar, e o privilégio deste espaço possa me estimular a vencer esse texto que não termino.
A criação de um planejamento
Investi um tempo, antes de iniciar a escrita, em planejar a novela. Não recomendo fazer isso em estágios muito iniciais. No meu caso, eu já tinha escrito uma primeira versão inteira dela, e decidi recomeçar — por questões minhas.
Se você está ainda em estágios iniciais de um projeto mais longo, recomendo apenas escrever por um tempo, tentar encontrar a linha narrativa. Também funciona pensar uma estrutura ampla, como a Julia fez, e já partir com uma ideia de final. Porém, pra entender a que final se quer chegar, é importante experimentar um pouco, talvez.
Eu extrapolei e experimentei tanto a ponto de achar que tinha terminado a narrativa. Depois, quando me propus a reescrevê-la, decidi parar e reorganizar algumas coisas. Como dá pra ver pelo enorme ponto de interrogação na imagem abaixo, eu ainda tinha muitas dúvidas.
Depois desse organograma — feito com uma linha diagonal crescente para me lembrar de que seria bom que a tensão crescesse cada vez mais até o clímax — eu listei as cenas que já havia escrito, as que achava que ainda faltavam e apaguei as cenas que eu não queria mais — praticamente todas depois da metade.
Percebi que precisava adiantar alguns acontecimentos e escrever mais, desenvolver mais alguns personagens e mudar o foco de algumas cenas.
No idílico passado quando o dólar batia poucos reais, eu adquiri a licença do Scrivener, um programa bem divertido para escritores de projetos longos. É dessa interface a foto que vem a seguir, mas nada que não dê pra reproduzir utilizando aquele menu lateral novo que tanto o Word quanto o Google docs implementaram recentemente (é só dar nomes provisórios às suas cenas e marcá-las com o estilo “Título”. Em alguns momentos, não me pergunte o motivo, só colocar em negrito já resolve. Em outros, tem que usar a burocracia do estilo).
Todo esse planejamento me tomou um pouco mais de duas semanas. Isso lá no início, quando eu ainda tinha energia e acreditava que quarentena tinha esse nome porque pressupunha um número limitado de dias.
Agora, ele tem me servido como uma bengala muito eficiente. Embora eu já não esteja muito feliz com algumas das cenas que previ e queira mudar um personagem importante, pelo menos existem espaços em branco para eu preencher sem ter que pensar tudo do zero. Quando a vontade de escrever vem, eu me sento na frente do arquivo e brinco com as possibilidades de uma cena aleatória, sabendo que ela tem função e lugar e qual é sua função e qual é esse lugar.
Sei que roubei no jogo e estou mostrando algo que fiz quando eu ainda não estava travada. Mas talvez visualizar isso seja legal para animar alguém a fazer o mesmo.
No próximo post, pretendo falar da questão da linguagem: o que mudei e os motivos. E assim, de tijolinho em tijolinho, quem sabe aliviar o peso que paira em cima das criações.